Forum Angolano de Reflexão e de Acção.
3 Février 2014
Por David Filipe e D. Cazuza
O 4 de Fevereiro é um marco essencial na história recente de Angola e é apontado por muitos, embora sem consenso, como o tiro de partida para a luta armada pela independência do país, iniciada em 1961.
Nos vários quadrantes políticos não se retira importância a esta data, mas nem todos a encaram como a linha definitiva, a partir da qual o regime colonial começou a ser militarmente combatido até
à independência do país, a 11 de No-
vembro de 1975.
O ex-deputado da bancada da FNLA, Ngola Kabangu, considera que, passados 53 anos, a história da revolta patriótica de 4 de Fevereiro continua a ser mal contada e mal escrita. “Ainda há pessoas
que contam e escrevem para agradar aos que estão no poder. A história não se reajusta, nem deve ser colorida”, frisou.
Para a FNLA, a acção de 4 de Fevereiro de 1961 foi uma grande revolta patriótica de enorme valor histórico, mas é preciso contá-la e escreve tendo em conta a forma como foi concebida, organizada
e conduzida.“Primeiro é preciso dizer que essa acção visava fundamentalmente libertar os nacionalistas que estava encarcerados nas masmorras da sinistra PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do
Estado). As acções foram direccionadas para a Casa da Reclusão, a prisão de São Paulo e algumas esquadras de polícia, símbolos do hediondo colonialismo português”, lembrou.
“Logo a seguir é preciso dizer quem concebeu, quem organizou e quem, finalmente, conduziu as acções heróicas de 4 de Fevereiro de 1961”, acrescentou.
Segundo Kabangu, “hoje, muitos compatriotas filiados no MPLA já reconhecem que o valoroso cónego Manuel Joaquim Mendes das Neves foi o cérebro da revolta patriótica de 4 de Fevereiro de 1961”.“E
quem era politicamente cónego Manuel das Neves?”, questionou, salientando que “muitos esquecem-se ou fingem não saber que o cónego foi o fundador, em 1957. Foi coordenador da célula clandestina
da UPA, na ilha do Cabo, em Luanda. Ele pertencia, portanto, ao único partido nacionalista existente na época, a histórica e gloriosa União das Populações de Angola (UPA)”,elucidou.
De acordo com Ngola Kabangu, o cónego Manuel das Neves, pela sua posição social, era uma figura congregadora e muito influente junto dos núcleos nacionalistas em Luanda. “A grande referência era
a Liga Africana que congrega no seu seio eminentes figuras nacionalistas oriundas das mais diversas regiões de Angola. Assim, é indiscutível, que a revolta patriótica de 4 de Fevereiro de 1961
foi conduzida fundamentalmente por nacionalistas angolanos ligados à UPA, sob a coordenação do lendário cónego Manuel Joaquim Mendes das Neves”, frisou.
Explicou que o elo de ligação entre o cónego Manuel Joaquim Mendes das Neves era o mensageiro João César Correia, que também era conhecido por “Mekuiza-Mkuenda”.“O resto sobre o 4 de Fevereiro é
puro malabarismo político e “pro-
paganda histórico-política”. A torre do Tombo e outros arquivos ainda estão abertos e disponíveis”, afirmou, desafiando a procurarem a verdade na História.
Já para a UNITA, o maior partido da oposição, o 4 de Fevereiro é, como admitiu Alcides Sakala, escritor e dirigente histórico deste partido, “uma data importante” para Angola, “mas não pode ser
considerada a única com peso histórico,
nem sequer mais importante que outras”.
Sakala apontou os exemplos do 15 de Março ou ainda o 25 de Dezembro de 1966, data do primeiro ataque a uma guarnição militar portuguesa, organizado pela UNITA, defendendo que, “ao contrário do
que pretende o MPLA – impor
esta data como início oficial da luta armada – não existe um consenso claro”.
“E isso devia merecer maior cuidado quando o país ainda procura concluir o processo de reconciliação nacional”, advertiu Alcides Sakala.
“A fractura da partida para a luta armada (com três movimentos, MPLA, FNLA e UNITA) continua agora com o mesmo problema porque um partido recusa-se a procurar uma data consensual”, defendeu.
O ancião Tomás Mavula, militante do MPLA, disse que o “4 de Fevereiro de 1961 foi produto da tomada de consciência nacionalista e revolucionária de destacados patriotas, que souberam interpretar
os anseios mais legítimos do povo
angolano, contra a recusa pelo então regime colonial, das propostas pacíficas para a auto-determinação dos angolanos”.
“O acto, protagonizado por homens e mulheres de grande coragem, significou o amadurecimento do nacionalismo angolano para a causa justa”, afirmou, adiantando que esta data deve ser inesquecível
para todos os cidadãos nacionais.O reformado Diamantino Pedro, que na altura em que se deu o 4 de Fevereiro tinha 12, contou ao Novo
Jornal que o regime colonial fascista reagiu brutalmente e respondeu com uma acção de repressão em todo o país, com assassinatos, torturas e detenções arbitrárias.
“Essas prisões arbitrárias desencadeadas pela PIDE contra os integrantes do “processo 50”, os massacres da Baixa de Cassanje, Ícolo e Bengo e a detenção e assassinato de várias pessoas indefesas
levou alguns nacionalistas a organizarem-se para a luta de libertação”, adiantou.
Segundo disse, o 4 de Fevereiro de 1961 pode ser ainda considerado como um marco importante da luta africana contra o colonialismo, numa tradição de resistência contra a ocupação que vinha desde
os povos de Kassanje, do Ndongo e do Planalto Central.
Para o professor universitário João Semedo Chito, “a data de 4 de Fevereiro de 1961 constituiu, assim, o início das revoltas coloniais contra Portugal, as quais, a partir de 1964, se iriam
estender a Moçambique e à Guiné-Bissau”.
“O movimento de “4 de Fevereiro” foi, em si mesmo, um acontecimento bastante complexo, muito mais do que algumas versões simplistas que sobre ele foram mais tarde conhecidas e divulgadas”,
frisou. O catedrático reconheceu que a sua génese política “é também importante para se entender as raízes do que foram as profundas clivagens entre os grupos político-militares angolanos, logo
após a independência do país, em 1975, saldou-se numa mortífera guer-
ra civil, que, com diferentes formatos, se prolongaria até 2001”
N.J