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Negro Reino

 

 




O Rosário e o santo negro

Negro Reino
 


A tradição dos reis negros, que desfilam pelas ruas de Paraty, na Festa de N.S.do Rosário e S.Benedito, remete ao lendário Reino do Congo, que existiu na África, desde c.1390 até 1914.

A cristianização desse reino, sua transformação em fornecedor de escravos para o Brasil e sua lenta desintegração pelo esfacelamento cultural, por lutas de poder, pelas guerras internas promovidas por traficantes de negros e pela progressiva ocupação portuguesa pintam um quadro expressivo do que o colonialismo e a escravidão significaram para esse continente.

O explorador Diogo Cão foi o primeiro europeu a entrar em contato com o Reino do Congo, em 1483, quando os portugueses empreendiam as chamadas Grandes Navegações, em busca de uma rota para as Índias.

O Reino do Congo gozava de grande influência na África centro-ocidental, formado por seis províncias e quatro reinos tributários, que se espalhavam, em sentido horário, pelos territórios atuais do noroeste de Angola, oeste da República Democrática do Congo, Cabinda, República do Congo e centro-sul do Gabão.

As províncias eram Mbamba, Mpemba, Mbata, Mpangu, Soyo e Nsundi. Os reinos tributários eram Loango, Kakongo, Ngoyo e Ndongo, como no mapa abaixo.





Desde o século 6, o Reino do Congo era habitado pela desenvolvida etnia banto, que havia trazido conhecimentos em agricultura, cerâmica e artefatos de metal. Ao final do século 15, explorava recursos naturais e marfim e comerciava cerâmica, tecidos, ráfia e manufaturados de cobre e metais ferrosos.

A unidade desse reino vinha das relações comerciais e políticas entre os territórios que o compunham. E o centro de poder ficava na capital, conhecida como Mbanza Congo, onde o rei não era sucessor direto do trono, mas eleito por um conselho de nobres.

Primeiros contatos

Em seu primeiro contato com o Congo, Diogo Cão deixou homens em terra como garantia e levou com ele a Lisboa um grupo da elite nativa, para aprender a língua, conhecer os costumes e entrar em contato com o cristianismo. Dois anos depois, em 1485, retornou ao Congo com esses nativos e muitos presentes para o rei local.

Em resposta, o Congo enviou uma embaixada a Portugal, em 1489, formalizando o desejo de se converter ao cristianismo e europeizar seus costumes. Essa embaixada passou um ano em Lisboa, aprendendo a língua, o modo de vida português e os preceitos do catolicismo.

Aprofundando esse contato, um grupo de jovens se dedicou à língua e à literatura latinas. E foi pedido o envio, para o Congo, de clérigos, artesãos, mestres de pedraria e carpintaria, trabalhadores da terra, burros e pastores.

Em 1491, uma nova expedição portuguesa aportou no Congo com clérigos e soldados. Desta vez, levou mais de vinte dias para chegar à capital, tamanhas foram as homenagens que recebeu dos chefes locais e da população, que, segundo o relato do evento, feito pelo cronista português Rui de Pina, chamava o rei de Portugal de Zampem-Apongo ou Senhor do Mundo.

Nessa euforia, o rei e a nobreza pediram para serem batizados imediatamente. O rei passou a se chamar João I, o mesmo nome do soberano português. Houve procissões, missas, pregações contra a superstição e a idolatria e foram destruídos vários templos de cultos locais.

A expedição portuguesa zarpou do Congo fartamente presenteada e deixou em terra quatro clérigos, objetos litúrgicos e um negro conhecedor das duas línguas, para montar uma escola. João I ainda pediu mais clérigos para a conversão do reino ao catolicismo.

Catolicismo africano

A cristianização do Congo surpreende não só pela rapidez, mas porque partiu de iniciativa própria e não de uma imposição, como se poderia esperar de um projeto de expansão colonial como as navegações portuguesas.

Mas a adesão dos congoleses ao catolicismo também pode ser entendida a partir de suas próprias crenças, como levanta o texto Catolização e poder no tempo do tráfico: o reino do Congo, da conversão coroada ao movimento antoniano, séculos 15 a 18, de Marina de Mello e Souza e Ronaldo Vainfas.

Para os congoleses, havia dois mundos: o dos vivos e o dos mortos, separados por uma grande porção de água. Os mortos eram criaturas brancas que obedeciam a Zampen-Apongo, o Senhor do Mundo, suprema divindade banto. E os vivos os reverenciavam com homenagens, presentes e obediência, porque deles podiam receber poder, riqueza e sabedoria.

Em 1485, quando os nativos levados pela expedição portuguesa retornaram ao Congo, foram recebidos como mortos ressuscitados, segundo o cronista Rui de Pina. Em outras palavras, como se tivessem viajado para o Além, recebido iniciação em seus segredos e retornado pela grande água do Atlântico, acompanhados dos portugueses, que eram criaturas brancas.


E tudo que essas criaturas trouxeram do outro lado do oceano pode ter despertado enorme interesse no reino, principalmente a religião, de eficácia jamais vista no contato com o outro mundo e cujos rituais elas insistiam em passar para os congoleses.

No Congo, a comunicação com o Além exigia um enclausuramento ritual e um cerimonial com objetos mágicos chamados de nkisi. Os congoleses podem ter identificado o batismo com esse cerimonial e os objetos litúrgicos católicos com seus objetos mágicos.

Além disso, o rei e os chefes locais proibiram que outras pessoas assistissem a seu batismo, exceto as diretamente envolvidas nele, o que pode ter funcionado, para eles, como uma representação desse enclausuramento.

A destruição de templos tradicionais, quando eles se converteram ao cristianismo, pode ter sinalizado a perda de crédito da religião nativa, diante desse novo e extraordinário poder de conjuração dos espíritos.

Afinal, os sacerdotes tradicionais também intermediavam a comunicação entre os vivos e os mortos, mas não formavam um corpo organizado nem seguiam uma doutrina universal, o que levava a diferentes interpretações e mesmo à contestação do que diziam.

Enquanto isso, o catolicismo tinha um clero de rígida hierarquia, formado em preceitos canônicos, que controlava verticalmente o processo da cristianização, punindo com rigor tudo que se desviava deles.

No processo de catolização do Congo, foram fartamente cultivadas analogias entre os cultos locais e o cristianismo. Os próprios missionários chamavam os objetos litúrgicos de nkisi e os nativos davam aos missionários o mesmo peso dos sacerdotes locais, já que ambos atuavam em ritos ligados ao casamento, à colheita e a momentos-chaves da vida comunitária.

Dessa forma, os congoleses teriam preservado grande parte de suas crenças tradicionais sob o discurso da nova religião, numa africanização do catolicismo que, no início do século 18, se refletiria no movimento messiânico conhecido como antonianismo que fez toda uma releitura do cristianismo sob a liderança da jovem Kimpa Vita.
Cristianização e poder

A adesão do Congo ao cristianismo se deu junto com a europeização de seus costumes e instituições. Afonso I (1509-1542), sucessor de João I, promoveu a educação formal, com base na língua portuguesa, a Justiça passou a se inspirar na de Portugal e o Estado deixou de ser uma confederação de províncias e reinados tributários para se centralizar na figura do rei.

O reinado de Álvaro I (1568-1587) retomaria esse processo, nomeando os nobres do Congo à européia, como condes, marqueses e duques; distribuindo comendas de uma Ordem de Cristo local, decalcada na original portuguesa e rebatizando a capital do reino como São Salvador.

O Congo se cristianizou e se europeizou para poder falar de igual para igual com as potências européias, firmar acordos com elas para se movimentar na região e, principalmente, participar de uma política internacional que, naquele momento, passava pela África. Mas logo perceberia que era um parceiro menor, nesse jogo.

Ao se despedir dos portugueses, em 1491, o rei congolês expressou a intenção de enviar um embaixador a Roma, para prestar obediência ao Papa, provavelmente com o projeto de obter o poder espiritual sobre seus territórios, da mesma forma que Portugal.

Através de bulas papais de 1455 e 1456, a Santa Sé havia concedido aos portugueses o direito do padroado, segundo o qual poderiam organizar e administrar a igreja católica em seus domínios, inclusive os descobertos e a descobrir, fundando igrejas e mosteiros, enviando missionários e nomeando padres e bispos sob a supervisão do Vaticano.

Com o padroado, Portugal cristianizou grandes territórios ultramarinos, nos séculos 15 e 16 e criou neles numerosas dioceses, onde exerceu a autoridade através de bispos de sua escolha, que lhe garantiram o poder espiritual e, a partir dele, o poder político.

Mas, embora a cristianização inserisse o Congo na comunidade católica, os portugueses quase não enviavam religiosos para o reino. Que, sem um clero ordenado, apoiava sua igreja num laicato sem poder, recrutando mestres na nobreza para levar serviços religiosos à população.

Diante disso, foi crescendo, no Congo, a idéia de um clero autóctone, mais próximo da população e da autoridade do rei, que trabalhasse para a igreja local e não para a portuguesa, cuja dominação foi crescendo, a partir da segunda metade do século 16.

Para os reis congoleses, convertidos ao cristianismo, o poder espiritual concedido pelo Papa traria um respaldo muito maior, não só perante seus súditos e adversários, mas diante dos portugueses, pela soberania na operação da igreja local e, principalmente, na cena internacional, frente às nações européias com quem queriam se relacionar.

Afonso I, o grande responsável pela introdução do cristianismo no Congo, tentou dar início à formação desse clero enviando à Europa seu filho Henrique, que se ordenou como padre e, em 1518, foi nomeado bispo de Utica, no norte da África. Henrique voltou ao Congo em 1520, mas morreu em 1531, quando se preparava para participar do Concílio de Trento.

Mas a nomeação de Henrique como bispo não agradou aos portugueses, que não queriam abrir mão do monopólio espiritual sobre esse reino. O que levou os congoleses a insistirem em sua autonomia religiosa, até persuadirem o Papa a instituir em São Salvador o Bispado do Congo e de Angola, em 1596, durante o reinado de Álvaro II (1587-1614)..

Essa autonomia não veio, entretanto, porque o padroado continuou favorecendo a Portugal, na nomeação de padres e do bispo. E de nada adiantou ao rei Álvaro II enviar um embaixador a Roma, pedindo a nomeação, para seu reino, de um bispo que não fosse português.

Ao contrário, o que aconteceu com mais essa tentativa de independência religiosa, por parte dos congoleses, foi o endurecimento do bispado contra o rei. Até que, em 1624, o bispo se transferiu para Luanda, em Angola, dando início a uma crise política, entre Portugal e o Congo, que se arrastaria até a desintegração do reino, na segunda metade do século 17.

O grande negócio

Na verdade, no bojo da questão religiosa estava um dos negócios mais vultosos da época e a atividade mais importante das potências européias na África, que era o tráfico de escravos.

A cristianização dos reinos africanos atendia a objetivos muito práticos dos portugueses: eles precisavam de parceiros confiáveis, no sentido de garantir uma rota segura para as Índias, a exploração de recursos naturais e o estabelecimento de entrepostos de comércio.

Afonso I incrementou o comércio do cobre com os portugueses, aumentou a riqueza do reino, garantiu o apoio de nobres importantes à sua coroa e permitiu a aquisição de mercadorias européias, aprofundando a desejada aculturação da elite local.

Mas o principal item desse intercâmbio logo passou a ser o comércio de escravos, diante dos descobrimentos do Novo Mundo e da necessidade cada vez maior de mão-de-obra extensiva e barata para colonizar imensos territórios.

E os portugueses encontraram o mercado de escravos em pleno crescimento, ao chegarem ao Congo, em função de intermináveis conflitos regionais. A submissão de populações em guerras de expansão era uma praxe que permitia aos reis africanos fortalecer seus exércitos, multiplicar os servidores do Estado e ampliar a riqueza pessoal com a venda de cativos.

Em seu governo, Afonso I avançou as fronteiras do Congo para o norte e para o leste; transformou a venda de prisioneiros em monopólio real, cobrando taxas através de chefes locais de confiança e foi o principal fornecedor de escravos para os traficantes portugueses.

Mas logo esses traficantes passaram a ignorar as rotas controladas pelo rei congolês. O reino tributário de Ndongo, na futura Angola, passou a atrair os que queriam fugir a esse monopólio, desviando impostos do rei e enriquecendo outros chefes locais.

Foi quando Afonso I escreveu ao rei português D.João III, em 1526, denunciando que o tráfico ilegal estava despovoando grandes áreas de seu reino, fomentando guerras entre vizinhos e aprisionando até nobres congoleses, em disputas internas, para vender como escravos.

A conquista do território

Mas os reis congoleses nada podiam fazer, além de protestar, porque dependiam politicamente de Portugal. E, na raiz dessa dependência, estava a complicada sucessão congolesa, que mergulhava os candidatos na luta pela coroa, enfraquecia o reino e abria caminho para a expansão portuguesa sobre seu território.

Em 1491, o Congo tinha três chefes locais disputando o trono e, para se manter nele, o recém-batizado João I pediu ajuda aos portugueses. Que, prontamente, se aliaram ao exército real como mercenários, combatendo arcos e flechas com armas de fogo.

Quando se despediu da expedição portuguesa, nesse ano, o rei congolês se ofereceu como súdito de Portugal, pelo fulminante apoio que recebeu. E, doravante, concessões como essa, mais a adesão ao cristianismo, garantiriam a coroa do Congo contra os adversários.

Mas não a garantiriam contra esses aliados. Os eleitores do rei do Congo passaram a ser não apenas seus nobres, mas também os portugueses, apoiando candidatos que colocassem o trono a serviço de seus interesses.

Quando Álvaro I iniciou seu reinado, também pediu ajuda militar aos portugueses, para expulsar invasores do reino. Em troca, permitiu que eles estabelecessem uma colônia na província congolesa de Luanda, em 1575. E, quatro anos depois, ajudou-os numa fracassada invasão a Ndongo, onde buscavam o controle das rotas alternativas de escravos.

Mas, a partir daí, os congoleses passaram a assistir a uma agressiva expansão territorial dos portugueses, que devastaram o Ndongo em 1617 e invadiram o sul do Congo, em 1622, tomando as províncias de Mbamba e Mpemba, durante o reinado de Álvaro III (1615-1622). .

Com a morte desse rei, os portugueses ampliaram em larga escala a invasão a essa região do reino, sob o comando do novo governador de Angola, João Correia de Sousa. E, sem mais peias, proclamaram o direito de escolher o sucessor do trono.

Derrotados na pretensão, voltaram-se contra Pedro II (1622-1624), o sucessor eleito pelos congoleses e, sob o mesmo comando, entraram em nova guerra de expansão, tomando várias outras províncias do reino. Mas foram derrotados em batalha e Correia de Sousa ganhou a oposição de comerciantes portugueses preocupados com os negócios.

Pedro II aproveitou a vitória para declarar Angola como inimiga e denunciou Correia de Sousa ao Papa e ao rei da Espanha, que, na época, tinha Portugal sob domínio. Manifestações anti-lusitanas se espalharam pelo Congo e a comunidade de negócios se colocou ao lado do rei, obrigandio Correia de Sousa a fugir.

Mesmo assim, Pedro II continuou no objetivo de expulsar os portugueses de Angola e propôs aos holandeses uma força conjunta para isso, em troca de ouro, prata e marfim. Uma esquadra holandesa chegou a Angola em 1624, mas, morto Pedro II, o sucessor Garcia I (1624-1626) desistiu da invasão, alegando que não podia atacar católicos aliado a protestantes.

A tensão continuou, em meio a tentativas, por parte dos portugueses, de colocar sob sua autoridade chefes locais que respondiam ao rei do Congo, cuja aliança com os holandeses se efetivou em 1641, no governo de Garcia II (1641-1660), com a tomada de Angola.

Sob a conquista holandesa, Lisboa interrompeu o envio de missionários ao Congo e o espaço ficou aberto para os capuchinhos italianos, que percorreram o interior do reino e estimularam o surgimento de um clero autóctone.

Mas, em 1648, os portugueses expulsaram os holandeses de Angola e os governadores do território passaram a retaliar contra os congoleses.

Como parte dessa política, os portugueses atacaram e reclamaram como seus vários pequenos estados semi-independentes que separavam Angola do Congo e que os congoleses consideravam sob sua autoridade.

O novo rei congolês, Antonio I (1661-1665), passou a negociar com a Espanha uma aliança anti-portuguesa e procurou a adesão desses estados. Mas, em 1665, um deles, Ambuíla, entrou em luta sucessória e as facções envolvidas pediram ajuda ao Congo e a Angola.

Os dois exércitos se enfrentaram em campo de batalha. Os portugueses entraram com duas peças de artilharia leve e 15 mil homens, entre eles 450 mosqueteiros. Os congoleses compareceram com cerca de 15 mil arqueiros; uma infantaria pesada de 5 mil homens com espadas e escudos e um regimento de 380 mosqueteiros.

Mesmo com um fogo pesado, os congoleses não conseguiram quebrar a formação portuguesa. O rei Antônio I morreu em combate, junto com boa parte de sua nobreza. Teve a cabeça cortada e enterrada em Luanda, para onde foi levado seu herdeiro de sete anos de idade. Sua coroa e seu cetro foram enviados a Lisboa como troféus.

Kimpa Vita

Sem sucessor à vista, o trono congolês se dividiu entre duas casas da nobreza, cuja rivalidade levou o Congo ao caos institucional, com reis coroados e derrubados sucessivamente. E, a partir deste ponto, embora continuasse existindo institucionalmente, o reino deixou de funcionar, na pratica, como um estado unificado.

Facções da nobreza se transferiram para as províncias, formando bases de atuação e dividindo o território entre si. Cada chefe local se cercou de seus auxiliares, reproduzindo a estrutura real e escolhendo o sucessor do trono. E essa fragmentação, mais quarenta anos de guerra civil por um poder central que não conseguia se consolidar, deram o golpe final no reino.

Com a fragilização do estado, fortaleceram-se províncias como Soyo, que os portugueses tentaram invadir sem sucesso em 1670, encerrando suas ambições territoriais na região até o final do século 19. A capital São Salvador foi saqueada e incendiada em 1678 pelas facções em luta e a população se dispersou pelas montanhas.

Sem solução, a guerra civil devorou o reino pelo que restou do século 17, destruindo o território e aumentando pesadamente a quantidade de congoleses vendidos como escravos. Dezenas de milhares, fugindo dos conflitos ou aprisionados neles, formaram uma corrente humana em direção a Loango, onde estavam traficantes ingleses e holandeses e na direção de Luanda, onde eram entregues a traficantes portugueses.

E, nesse cenário conturbado e decadente, surgiram Kimpa Vita e seu culto messiânico, carregando multidões em busca de uma perspectiva.

Kimpa Vita ou D.Beatriz era uma jovem congolesa de família nobre, educada no catolicismo e sacerdotisa de cultos tradicionais Em 1702-1703, aos 18-20 anos de idade, recobrou-se de forte doença, dizendo que havia morrido e ressuscitado como Santo Antônio. E, junto com um São João que a acompanhava, criou o movimento religioso conhecido como antonianismo.

Vita dizia que jantava toda sexta-feira com Deus, morria e ressuscitava no sábado. Segundo ela, Cristo havia nascido em São Salvador, capital do Congo, que era a verdadeira Belém e tinha sido batizado na província de Nsundi, segundo ela, a verdadeira Nazaré.

Dizia, também, que Nossa Senhora era negra, filha de uma escrava e criada de um nobre congolês. E que São Francisco pertencia a um dos clãs do reino. Condenava o clero oficial, por monopolizar a revelação de Deus e o segredo das riquezas para o homens brancos, em prejuízo dos santos negros.

Da mesma forma, rejeitou sacramentos como o batismo, a confissão e o matrimônio católico. Legitimou a poligamia, antiga instituição local derrubada pelo cristianismo. E proibiu a veneração da cruz, porque Cristo havia morrido nela.

Para seus seguidores, prometia uma Idade de Ouro próxima, onde as mulheres seriam férteis, as raízes das árvores derrubadas se converteriam em ouro e prata e, as ruínas das cidades, em minas de pedras preciosas. E chegou a organizar uma igreja antoniana, com sacerdotes chamados de antoninhos, que espalhavam essas idéias.

Ao mesmo tempo, articulou alianças políticas pela reunificação do Congo, mas tomou partido contra Pedro Água Rosada, que acabou se tornando o líder desse processo, costurando um acordo para a ocupação rotativa do trono pelas casas em luta.

Pressionado por missionários capuchinhos, Pedro mandou deter Kimpa Vita, sob a acusação de que tinha um filho recém-nascido do pretenso São João, que seria seu amante. E de que o choro desse filho tinha sido ouvido, enquanto ela o amamentava, desmascarando-a como falso Santo Antonio. Kimpa Vita e seu São João foram queimados vivos como hereges, em 1708.

O fim de um reino

No ano seguinte à execução de Kimpa Vita, Pedro Água Rosada assumiu a coroa como Pedro IV (1709-1718), reocupando São Salvador e reunificando o reino.

Mas, no primeiro quartel do século 18, fragmentado pela guerra, pela ocupação portuguesa e pela independência de províncias e reinos tributários, o outrora poderoso Reino do Congo, embora ainda autônomo, estava reduzido a pequeno um enclave ao norte de Angola.

Das seis províncias antigas, restavam apenas duas: Mbata e Mpangu. Das outras quatro, duas tinham sido tomadas pelos portugueses (Mpemba e Mbamba, em 1622) e duas haviam se tornado independentes (Soyo, em 1700 e Nsundi, e m 1718).

Dos quatro reinos tributários, restavam apenas dois: Cacongo e Ngoyo. Dos outros dois, um tinha sido tomado pelos portugueses (Ndongo, em 1670) e o outro havia se tornado independente (Loango, em 1700).

O poder rotativo funcionou relativamente bem, ao longo do século 18, mas a luta de facções continuou, embora em escala menor e, em 1842, Portugal interveio na sucessão para colocar no trono Pedro V (1842-1857).

Em troca desse apoio e de poderes ampliados sobre áreas vizinhas, Pedro V manteve a independência do Congo, mas cedeu seu território como parte de Angola, em regime de protetorado. E, em 1888, seu sucessor Pedro VI (1859-1891) assinou, diante dos portugueses, a vassalagem de um reino que não podia mais viver sem eles.

O tráfico de escravos tinha sido extinto pelos portugueses em 1839, sob pressão da Inglaterra, mas a atividade continuaria até c.1850. Maior parte dos estudiosos contemporâneos estima que entre 9,4 e 12 milhões de negros chegaram ao Novo Mundo, entre os séculos 16 e 19, embora a quantidade arrancada do lugar de origem seja consideravelmente maior.

Entre 1650 e 1900, de 10.24 milhões de africanos que chegaram às Américas como escravos, 39,4% vieram da África centro-ocidental, incluindo as atuais República do Congo, República Democrática do Congo e Angola. Entre 1519 e 1867, de um número base de 10 milhões de escravos, 38,5% vieram para o Brasil (v. http://en.wikipedia.org/wiki/Atlantic_slave_trade

Na verdade, era toda uma África exaurida, sem uma economia que a sustentasse e sem política própria para se relacionar com o mundo, que entregava seu destino à Europa, cujas potências se reuniram na Conferência de Berlim (1884-1885), para fazer a partilha de seu território

A região centro-ocidental da África foi dividida entre França, Bélgica e Portugal. França e Bélgica ficaram com os atuais territórios da República do Congo ou Congo-Brazzaville e República Democrática do Congo ou Congo-Kinshasa. Portugal ficou com o exclave de Cabinda, entre esses dois territórios, reunindo os antigos reinos de Loango, Cacongo e Ngoyo.
 
Em 1914, o Congo assistiu a uma revolta contra Portugal e contra a cumplicidade dos reis com os interesses portugueses. Lisboa sufocou a revolta, destituiu do poder o último rei congolês, Manuel III (1911-1914), extinguiu o reino e incorporou, definitivamente, seu território a Angola.

Com isso, o Reino do Congo desapareceu dos mapas para se transformar, miticamente, na terra-mãe de todos os africanos. Inclusive dos descendentes de escravos que, até hoje, desfilam vestidos de reis do Congo na Festa de N.S.do Rosário e S.Benedito de Paraty.

 

 

                                                                                      

                                                                     Fonte: Paratiando.com

 

 


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